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Um estudo do caso de contaminação por dietilenoglicol na Cervejaria Backer

Cervejarias e os Tanques de Fermentação necessitam de uma atenção redobrada e inspeção constante


foto: da internet


Em janeiro de 2020 uma intoxicação causada por dietilenoglicol (solvente orgânico altamente tóxico, muito utilizado na indústria) contaminou a produção da Cervejaria Backer, localizada em Belo Horizonte (MG).










O vazamento em um dos tanques de fermentação da cervejaria aconteceu entre novembro de 2019 e janeiro de 2020. Das centenas de pessoas que consumiram a cerveja, sete pessoas foram contaminadas e morreram, e outras 22 foram contaminadas e ficaram com graves sequelas.

Naquele período, muitas informações foram divulgadas superficialmente e até mesmo de maneira equivocada. Para orientar você e esclarecer possíveis dúvidas, damos um pontapé na série de estudos de casos.

Para começar: O estudo do caso da Cervejaria Backer. Como tudo aconteceu? E o que poderia ser feito para o incidente não ter acontecido? Essas perguntas eu respondo nesta análise.

Mas, para começo de conversa, você sabe como funcionam os tanques de fermentação em uma cervejaria?

OS TANQUES

De forma resumida, a produção de cerveja se inicia com a fervura do mosto, caldo açucarado resultante da mistura de água e malte aquecidos, que em seguida é direcionado para os tanques de fermentação, sendo resfriado a temperaturas baixas (cerca de 0ºC e em alguns casos até menos).

Para isso, o tanque é revestido de serpentinas achatadas de inox, por onde circula o fluido refrigerante (um fluido capaz de resfriar o mosto que está sendo armazenado dentro do tanque). As serpentinas são soldadas sobre a chapa do tanque, de forma que permaneçam estanques e resistam às pressões de operação.



Tanque Fermentador, destaque a serpentinas e o caminho do fluido refrigerante (de resfriamento).


O detalhe é que, para garantia dos níveis necessários de resfriamento exigidos para o processo são utilizados fluidos refrigerantes como: O monoetilenoglicol (MEG), dietilenoglicol (DEG), álcool, propilenoglicol e entre outros.

Eu sei, você deve estar se perguntando, mas José por que utilizar substâncias tóxicas para realizar o resfriamento do tanque ao invés de água?

Calma, eu explico! O objetivo de se utilizar fluidos refrigerantes é o melhor aproveitamento do seu desempenho em trocas térmicas, como por exemplo: Para manter os tanques em temperatura próxima de 0°C, se utilizássemos água, ela congelaria não sendo eficiente para a refrigeração. Dessa forma, compostos refrigerantes como os já citados, são considerados “anticongelantes” e permitem que os tanques atinjam a temperatura desejada pelo cervejeiro.

Até aqui, temos uma situação rotineira de processo industrial, em que um vaso de pressão inserido é utilizado como tanque de armazenamento final/intermediário sob condições de resfriamento.

O detalhe é que as investigações comprovaram a utilização de dietilenoglicol para o resfriamento nas serpentinas dos tanques de fermentação da Backer. E aqui temos o primeiro desvio no processo da Cervejaria Backer.

O PROBLEMA

Uma pesquisa com 200 cervejarias realizada pela Associação Brasileira da Cerveja Artesanal (Abracerva) logo após o incidente em Minas Gerais, mostrou que nenhuma cervejaria utiliza o dietilenoglicol em seus processos de resfriamento.

O levantamento apontou que 87,4% usam álcool, 6% propilenoglicol e 5,1% outras técnicas não-tóxicas. No total, 1,5% afirmaram usar etilenoglicol, que não é, nem de perto, tão tóxico como o dietilenoglicol.

Mas, você deve estar se perguntando: Que tempestade é essa? Qual o problema de se utilizar dietilenoglicol no processo de resfriamento?

O dietilenoglicol (DEG) é classificado como “O Perigoso” com a frase de risco “Nocivo por ingestão” na Ficha de Informações de Segurança de Produtos Químicos (FISPQ). Embora os dados em testes efetuados em laboratórios com cobaias não estejam na faixa de classificação, os dados humanos disponíveis apoiam essa classificação perigosa.

As características típicas da toxicidade aguda incluem comprometimento neurológico, acidose metabólica e insuficiência renal aguda. A mortalidade e morbidade precoces são altas, com a maioria das mortes ocorrendo nas duas primeiras semanas, após a exposição ao DEG.

Sim, o risco é alto! Mas, como foi ressaltado, o fluido deve circular pelas serpentinas, de forma isolada do produto (a cerveja) armazenado no tanque. Então, se for dessa forma está tudo bem, né?

É o que a Backer e todos nós esperávamos, mas um pequeno furo de cerca de 1,5 mm, pasmem! Isso é menor do que o diâmetro do cabo do seu carregador de celular. Esse pequeníssimo furo, na região interna do tanque de fermentação permitiu que o fluido de resfriamento, que deveria circular somente pelas serpentinas, entrasse em contato com o produto armazenado, contaminando o processo e diversos lotes de cervejas produzidas naquele período.

A Backer afirma que, o tanque onde houve a contaminação estava em operação há pouco tempo, desde a data de 05 de setembro de 2019, sendo este produzido “por uma empresa referência no mercado brasileiro” e fabricado em aço inoxidável (resistente a corrosão), e que o fluido refrigerante solicitado ao fornecedor era monoetilenoglicol, sendo constatado pelas investigações a adulteração deste pelo fornecedor.

Com esse disse me disse, você deve estar se perguntando: o que posso fazer para não passar por algo parecido com que a Backer passou?

RESOLUÇÃO

05 ITENS BÁSICOS PARA REDUZIR O RISCO ATENDENDO DE FORMA EFETIVA AS PREMISSAS DA NR-13

A Norma Regulamentadora 13 (NR-13) repassa através de seus subitens designações consideradas mínimas para garantia da operação de vasos de pressão. Esse estudo de caso pretende ressaltar pontos e medidas pertinentes à regulamentação, o que se fosse empregado no caso citado poderia ter remanejado o cenário dessa contaminação.

1. Quanto ao fluido de operação:

A investigação reforça que o fabricante do vaso de pressão especificou a utilização restrita de álcool anidro, ao invés do mono ou dietilenoglicol. Ao alterar o fluido de operação, sem a autorização prévia do fabricante ou a designação de um profissional habilitado, a empresa assumiu o risco de utilizar um fluido refrigerante tóxico frente a outros disponíveis no mercado.

Isso é comum em diversos ambientes industriais, uma vez que, as necessidades constantes de aumento da produtividade, a falta de planejamento/projetos bem delimitados e a falta de preparo técnico afetam uma parcela das empresas que tendem a assumir riscos como este.

2. Quanto ao teste hidrostático em fase de fabricação:

Em anexo ao prontuário (13.5.1.6a) do vaso de pressão, o fabricante deve fornecer certificados e registros documentais da execução do teste hidrostático após o processo de fabricação.

O teste hidrostático pretende determinar se o equipamento contém defeitos que não vão permitir que o item mantenha a pressão. A aplicação de pressões extraordinárias seguindo orientações do código de projeto e ou fabricação designada para o teste, permitem que exista confirmação da ausência de vazamentos, integridade/resistência às condições de operações normais, além de possibilitar alívio das tensões residuais de soldagem.

3. Quanto a inspeção inicial e inspeções periódicas:

A inspeção inicial tem como objetivo evidenciar considerações sobre a fabricação do vaso, além de confirmar requisitos mínimos pertencentes a sua segurança e a operação. Através da inspeção inicial é possível avaliar a documentação de comissionamento, o prontuário do fabricante e até constatar divergências de identificação e/ou falhas no projeto. Em adicional, a rotina de testes executados durante a inspeção tem como objetivo documentar e fornecer parâmetros para viabilizar o uso seguro dos equipamentos.

Inspeções periódicas, permitem registrar o histórico de avaliações ao longo da vida útil do equipamento, comprovando sua condição operacional segura, além de acompanhar o estado de integridade e segurança de forma periódica, utilizando ensaios não destrutivos e parâmetros de monitoramento repassados em prontuário/projeto do vaso de pressão.

A inspeção visual interna, ensaio a ser destacado nesse caso, pode fornecer parâmetros de integridade suficientes para evidenciar vazamentos e/ou falhas internas que em geral passariam despercebidas em avaliações externas.

4. Quanto a aplicação de ensaios não destrutivos (ENDs):

Para confirmação de parâmetros dimensionais de projeto e principalmente para fornecer um parecer relativo à integridade de vasos de pressão baseado nas indicações de monitoramento de vida útil e de recomendações fornecidas em projeto, o profissional habilitado responsável pode admitir testes/ensaios que permitam fornecer parâmetros que embasam seu parecer. Destaquei abaixo quatro ensaios considerados essenciais, abordando suas características de forma sucinta para que seja possível ilustrar as indicações anteriores:

4.1. Exame visual

O exame visual é o mais simples de todos os ENDs e consiste em utilizar a visão de forma direta, com auxílio de lentes, lupas de aumento ou de forma remota (videoscópios/boroscópios), para fazer uma avaliação das condições superficiais de um elemento/componente do vaso de pressão.

4.2. Medição de espessura por ultrassom

A medição de espessura por ultrassom é um tipo de ensaio que visa detectar, em diversos tipos de materiais (não ferrosos e ferrosos), a perda de espessuras que pode ocorrer devido processos abrasivos ou corrosivos.

Esse tipo de ensaio utiliza uma técnica similar à ecolocalização usada pelos golfinhos, baleias e morcegos, assim como pelo sonar usado por submarinos. Através de aparelhos especiais (ultrassom medidor de espessura) é possível detectar as reflexões provenientes do interior da peça examinada, localizando e interpretando as descontinuidades ou verificando a sua espessura.

4.3. Ultrassom de Solda

O ensaio por ultrassom em soldas é um procedimento de avaliação qualitativa de juntas soldadas, sendo aplicado na detecção de falhas e descontinuidades internas em soldas que possam comprometer sua qualidade e integridade.

É uma técnica de varredura que possui como função fundamental garantir a integridade das juntas soldadas identificando descontinuidades internas em equipamentos, componentes e chapas, além de mapear com precisão o posicionamento da descontinuidade encontrada, sinalizando assim a melhor forma/região para execução de um reparo/correção.

4.4. Líquido Penetrante

O objetivo desse ensaio é assegurar a confiabilidade de juntas soldadas e superfícies através da obtenção de uma imagem visual relacionando/destacando descontinuidades superficiais.

Aplicação em grande variedade de materiais metálicos e não metálicos, desde que não sejam porosos. O ensaio consiste basicamente em, após a limpeza prévia da superfície da peça, aplicar um líquido com baixa viscosidade que penetra nas descontinuidades, ficando este retido mesmo com a remoção do excesso. A seguir, através do revelador (normalmente talco em suspensão) as regiões de descontinuidades são destacadas. Isso permite que falhas superficiais sejam tratadas, a fim de que exista parâmetros que, em conjunto, embasam um parecer conclusivo quanto à integridade de vasos de pressão.

5. Quanto a qualificação do processo de fabricação:

O prontuário do vaso de pressão deve pontuar itens relativos ao controle de qualidade para fabricação, tais como:

- Procedimentos utilizados na fabricação, montagem e inspeção final;

- Metodologia para estabelecimento da PMTA;

- Conjunto de desenhos e demais dados necessários para o monitoramento da sua vida útil;

- Pressão máxima de operação;

Os reflexos da falta de atendimento a uma parcela dos itens abordados e a incompreensão de tais necessidades resultaram em sete pessoas mortas e vinte e duas com sequelas graves (inclusive danos neurológicos). Em adicional, os responsáveis pela investigação indiciaram dez pessoas diretamente ligadas à Backer, sendo: quatro engenheiros; um químico, um bioquímico, um agrônomo e três sócios.

Estamos diante de um caso considerado por muitos especialistas como “raro” e, que certamente serviu de aprendizado para o mercado de produção de cervejas do mundo, para a medicina, a gestão de negócios e até mesmo para a sociedade.

Na busca pelo idôneo algumas empresas, como a Engetex, atuam de forma efetiva para assessorar no atendimento aos requisitos mínimos impostos pela regulamentação e requisitos de projeto/construção de vasos de pressão, a fim de que exista respaldo técnico na definição de um parecer quanto a integridade e a segurança na operação de vasos de pressão. Se você ainda tiver dúvidas se a forma como realiza o processo no seu estabelecimento está de acordo com as normas, entre em contato conosco.


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